«Primum vivere, deinde philosophariI», como reza o velho e, eventualmente, muito sábio adágio Latino, usado então, e desde então, não sem um inegável tom de ironia, senão mesmo declarado desdém, sobre quem, muito se perdendo nas mais aéreas filosóficas elucubrações, dificuldades teria em mais directamente ligar-se à terra e adquirir os meios necessários de plena afirmação na mais imediata existência _ sempre foi passível, de resto, de múltiplas e muito diferentes interpretações.
Eram os Latinos, i.e., os Romanos, um povo eminentemente prático, como os Gregos, primeira verdadeira Talassocracia Antiga, haviam sido um povo eminentemente Teórico _ entendo nós por Teoria, o que o que dizia José Marinho: «o que se vê e cumulativamente se pensa».
Se os Gregos, por tudo isso, não por mero acaso, fundaram a Filosofia, erigiram os Romanos, tampouco por simples fortuna, partindo da velha Filosofia dos Gregos, o seu Direito.
Não, «nada debaixo do Sol» vem à existência sem profunda razão de ser, sem causa, o que vale por dizer também, sem mínima finalidade _ não deixando assim de ser o absurdo, para o homem, quanto desesperadamente mais insuportável.
Mas nem de Gregos ou Romanos é quanto aqui nos importa cuidar, a não ser de nós, Portugueses, com mais Célticas e antigas raízes, também.
Sim, falamos dos velhos Celtas, que terão partido daqui, e levando consigo a sua cultura dolménica, até atingirem as Hibérnicas ilhas, quando o gelo ainda permitia percorrer toda a distância a pé enxuto, e daí indo até às terras da velha Albion, de Gales às mais altas e brumosas montanhas da mais secreta Escócia.
Sim, falamos dos Celtas, desse singular povo que também demandou Delfos, onde terá sofrido talvez uma das mais extraordinárias batalhas de que haverá memória, mais contra os elementos do que contra os homens, como nos deixou relatado Pausanias: «a terra esteve a tremer um dia inteiro na parte ocupada pelos Galos, e logo sobrevindo uma espantosa tormenta, os raios caíram repetidamente sobre eles, não se limitando a matar aqueles sobre quem caíam porquanto uma exalação ígnea igualmente se comunicava a quem estava próximo, logo tudo reduzindo também, homens e armas, a cinzas […] assim como do monte Parnaso se desprendiam grandes rochas que esmagavam, de uma só vez, não apenas dois ou três mas grupos inteiros de trinta ou quarenta».
A Delfos terão chegado os Celtas mais do que uma vez, comandados na primeira por Jerjez e na segunda por Breno que, ao entrar no Templo, ter-se-á rido, como diz Diodoro Sículo, por haver quem «entendesse terem os deuses forma humana e os houvessem esculpido em madeira e pedra», assim como desdenhava de quem entendia necessitarem os deuses de tesouros, «uma vez serem eles mesmos quem os prodigaliza aos homens», assim como entender «nada de material pode estar alguma vez à altura da divindade».
Talvez não se saiba tanto dos Celtas, de ciência certa, quanto seria interessante saber, mas ainda assim não deixa de ser significativo que um estudioso como Jean Markale afirme ter a ida a Delfos correspondido essencialmente a uma aventura espiritual, como uma busca do Graal, não deixando assim de nos fazer lembrar Camões, «Os Lusíadas» e a Ilha dos Amores, como quem nos diz que os Descobrimentos foram, antes de mais e acima de tudo, uma Viagem de Iniciação _ pelo Mar Oceano.
Para Pascoaes, pelos Celtas ficou-nos a ligação à Natureza, como pelos Semitas nos ficou a Espiritualidade que, conjugando-se, nos dias a singular e intraduzível Saudade _ mais acentuada ainda pela inigualável e irrepetível aventura dos Descobrimentos.
E mais importante ainda, para os Celtas, como para nós _ como alguém lembrava que, lamentavelmente, não recordamos exactamente quem _ «o verbo tem realidade e valor supremo; não é apenas um meio de comunicação; é um meio de acção, é um acto».
«Primum vivere, deinde philosophariI»?
Como podemos nós separar?
«Primum vivere, deinde mare»?
Como separar o que é, por si mesmo, incindível?
Viver, sim _ mas fará sentido viver, sem mais?
Não implica viver, sempre, viver em ordem a uma superior finalidade?
Nesse particular, não continuamos nós fiéis a Parménides, sem cometer qualquer parricídio de que se atormentava Platão, nunca negando que «ser e pensar são o mesmo»; sem necessidade, assim, de qualquer ousadia de procurar actualizar José Marinho, reescrevendo «o que se vê e cumulativamente se pensa» como «o que se vê, cumulativamente se pensa e se vive ou realiza» por tão escusado ignorante pleonasmo ou ridícula mera tautologia?
E não é exactamente isso que desde sempre aprendemos com os nossos maiores, de Camões a Duarte Pacheco Pereira ou D. João de Castro?
E não é por isso que importa e impossível é faltar à IX Grande Conferência do Jornal da Economia do Mar?
Sabendo não ser a Política um fim mas um meio de realização de Portugal pela individual consciência a que cada um souber ascender da Nação Marítima que somos para ser?…
Um comentário em “Primum Vivere, depois o Mar ?…”
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Parabéns pelo profundíssimo e belo texto, uma pedra viva e ramo fresco da Patria portuguesa. De experiência feita este dizer ou saber : «o que se vê, cumulativamente se pensa e se vive ou realiza», se vivendo sempre “em ordem a uma superior finalidade”, assim cumprimos… quem assim entende e se apercebe.