Vivemos actualmente num mundo em mudança onde o controlo dos grandes espaços marítimos passou a ser uma prioridade para os Estados, muito especialmente quando existe uma preocupação de soberania sobre esses espaços e se pretende monitorizar, tanto quanto possível, tudo o que pode contribuir para o desenvolvimento sustentado, sendo assim, também para Portugal, decisiva a tecnologia dos designados Cabos Submarinos SMART.

Contributos da tecnologia SMART CABLE para o Desenvolvimento Sustentável em Portugal

Vivemos actualmente num mundo em mudança onde o controlo dos grandes espaços marítimos passou a ser uma prioridade para os Estados, muito especialmente quando existe uma preocupação de soberania sobre esses espaços e pretendemos monitorizar tudo o que pode contribuir para o nosso desenvolvimento sustentado. Em Portugal, a tecnologia SMART CABLE irá ser um relevante contributo para este desiderato. Neste artigo de opinião pretendemos levar algumas interrogações e contribuir para um debate que julgamos ser útil e muito necessário.

A observação do fundo do mar tem vindo a ser praticada ou através de sensores presos a bóias ou através de sensores instalados em cabo submarino, cabos que são dedicados em exclusivo para o efeito. Tal é muito oneroso, quer na instalação, quer na operação e manutenção, e tem um alcance limitado. Também para os sensores presos às bóias nem sempre é possível obter os dados em tempo real (tal condiciona fortemente a utilização dos dados para acções imediatas), e a alimentação dos sensores é feita por baterias que têm de ser periodicamente substituídas. A utilização de cabos submarinos dedicados para a detecção tem vindo a ser praticada no Japão há cerca de duas décadas, tem claras vantagens perante a utilização de bóias, mas é ainda mais caro.

Um cabo submarino (fibra óptica) de longa distância necessita de utilizar repetidores espaçados periodicamente para que o sinal transmitido possa ser regenerado ao longo do percurso. Os repetidores necessitam de energia para sua alimentação (amplificação óptica, etc.) e por tal o cabo submarino possui também um condutor de cobre ao longo de todo o cabo para serviço dos repetidores. O espaçamento dos repetidores está condicionado a variados factores (largura de banda, capacidade de transmissão, consumo de energia, etc.) e como valor típico de espaçamento poder-se-á considerar um valor entre 60 e 80 km.

A Joint Task Force SMART (Science Monitoring and Reliable Telecommunications) Subsea Cable System[1] é uma associação informal que é apoiada por três agências das Nações Unidas (UIT, IOC-UNESCO e WMO), e tem como objectivo promover a utilização de SMART CABLES.

A tecnologia SMART CABLE procura integrar uma rede de sensores num cabo submarino de telecomunicações. Esses sensores poderão ser instalados nos repetidores dos cabos submarinos ou fora dos mesmos num pod criado para albergar os sensores. Os sensores consomem energia e recorrem ao uso de energia que é disponibilizada aos repetidores. Os SMART CABLES apresentam uma solução inovadora que consiste “em apanhar-se uma boleia” dum cabo submarino de telecomunicações, transformando-se este cabo numa infra-estrutura multiusos que além de transportar dados comerciais, irá observar o fundo do mar, produzindo e transmitindo para terra uma quantidade de dados em tempo real nunca até agora verificada.

O pacote mínimo de sensores aconselhado pela JTF SMART Cables são os sensores de pressão, sensores de temperatura e acelerómetros. Como opcionais poderão ser considerados outros sensores tais como sensores de salinidade, biológicos, de vibrações, hidrofones, etc.

Os SMART Cables estarão ao serviço da Ciência (Oceanografia, Ambiente, Geofísica, …) e da Sociedade (possibilidade de avisos precoces à população de ocorrências de tsunamis e sismos), ou seja, do desenvolvimento sustentado, e os “clientes” dos dados da parte da observação são entidades e institutos públicos, universidades, organizações científicas, etc.

O acréscimo no investimento pela parte de observação dum SMART CABLE é estimado em cerca de 10 a 20% do investimento relativo à parte de telecomunicações, e é esperado que durante 25 anos (tempo de vida útil do cabo submarino), os sensores submersos estejam a funcionar sem necessidade de manutenção (sem custos de operação e manutenção da parte de observação submersa).

O objectivo último para os SMART Cables é de se conseguir uma rede global de observação (Global Ocean Observing System) baseado em sensores no fundo do mar que permitam uma observação em tempo real e um maior conhecimento dos fenómenos subaquáticos em águas profundas (Deep Ocean Observing Strategy), funcionando como um sistema de detecção para variações de correntes, temperatura, pressão, salinidade, etc., com vista a poder contribuir para percebermos melhor os principais problemas que enfrentamos nos oceanos, tais como o aquecimento global, alterações climáticas, desastres naturais (Deep-Ocean Assessment and Reporting of Tsunamis System – DART),  (Howe and all, 2019, p.2).

Existem actualmente cerca de 1.1 milhões de km de cabos submarinos em mais de 400 cabos submarinos que cobrem a quase a totalidade do planeta. Nesta extensão estão cobertos os principais oceanos e todos os continentes, prevendo-se que nos próximos 10 anos grande parte destes cabos venham a ser substituídos por novos cabos, havendo a possibilidade de um número significativo deles serem SMART, o que ao ser conseguido permitiria ter-se, segundo Bruce Howe, uma rede global a operar a médio prazo (2019, p.14).

Portugal não está fora deste alinhamento global, muito pelo contrário, na designada Conferência dos Oceanos, que teve lugar em Lisboa (27 junho – 01 julho 2022)[2] foi apresentado publicamente esta tecnologia e identificado o Atlantic CAM, cabo submarino a instalar entre o Continente os Açores a Madeira como SMART Cable, seguindo os princípios emanados pela JTF SMART Cables.

Após a sua instalação e entrada em operação, prevista para 2025/26, será possível a recolha de dados em tempo real de sensores submersos instalados ao longo dos 3.700 Km do trajecto do Atlantic CAM num investimento total que poderá ascender a 150 milhões de euros, que incluirá a parte de observação.

Esta tecnologia, estará em plena operacionalização em 2026, e irá ser um potente instrumento para estudo das alterações climáticas assim como para a mitigação do impacto de desastres naturais (tsunamis e sismos) pois contribuirá para a realização de alertas à população, com tempo suficiente de aviso, da chegada de tsunamis e sismos a terra (caso o epicentro do terremoto se localize em alto mar) [3]. A possibilidade de detecção do Atlantic CAM servirá também para a protecção do próprio cabo já que impactos externos no cabo poderão vir a ser detectados.

O SMART Atlantic CAM é um bom exemplo duma infra-estrutura multiusos com poupança significativa nos investimentos a realizar e nos custos operacionais a suportar, sendo claramente um Blue&Green Aproach em termos de sustentabilidade. Com a entrada em serviço do Atlantic CAM, como SMART Cable, será constituído um nó nacional de observação do fundo do mar na região do NE Atlântico, nó esse que será pioneiro e que mais tarde será integrado na rede mundial de observação dos Oceanos.

O Atlantic CAM será operado pela IP Telecom, sendo financiado a 100% pelo Estado Português.

Engº José Barros[4]

Coronel Luís Bernardino[5]


[1] https://www.smartcables.org/

Para mais informação recomenda-se a leitura do paperSMART Cables for Observing the Global Ocean: Science and Implementation”, publicado em 2 de agosto de 2019, produzido no contexto da JTF SMART Cables, pelo seu presidente, Dr. Bruce M. Howe da Universidade de Hawai (como cooautor) e acessível em: [https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fmars.2019.00424/full].

[2] https://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=1724139

[3] https://www.ua.pt/pt/smartcss/

[4] Licenciado em engenharia de telecomunicações e electrónica pelo Instituto Superior Técnico, Lisboa em 1983. Desempenhou funções de gestão, planeamento e aprovisionamento de redes internacionais na CPR Marconi entre 1984-2002. Na Portugal Telecom durante 2002-2003, foi responsável pela Administração da Rede Internacional e na ANACOM, desempenhou funções como Director do Departamento de Relações Externas durante 2003-2020, e como Consultor Sénior para a Conectividade Internacional e Cabos Submarinos entre 2020-2023. Desenvolve actualmente actividades de consultoria independente em Conectividade Internacional e Cabos Submarinos, nomeadamente na utilização destes últimos para detecção ambiental e sísmica ao serviço da Ciência e da Sociedade. Especialista internacional em cabos submarinos.

[5] Coronel do Exército na situação de Reserva. Mestre em Estratégia e Doutorado em Relações Internacionais pelo ISCSP da Universidade de Lisboa. Professor no Instituto Universitário Militar em Lisboa com vasta experiência internacional e especificamente na área do ensino e da investigação. É autor de mais de 10 livros, publicou mais de 100 artigos em revistas científicas nacionais e internacionais sobre temas de Segurança, Defesa e Desenvolvimento. Tem o Curso de Auditor de Defesa Nacional onde desenvolve investigação sobre a temática dos cabos submarinos e o impacto para a segurança nacional. 



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