Com um Presidente da República e um Primeiro-Ministro, aparentemente, em modo de Sempre em Festa, transmitindo, permanentemente, um tom de leveza, alegre despreocupação e redentor optimismo como se tudo corresse sempre pelo melhor no mais idílico dos mundos, perante os desafios que se colocam actualmente a Portugal como um todo e a cada Português em particular, uma tão devastadora quanto angustiante dissonância cognitiva não pode deixar de logo de se manifestar: afinal, somos realmente nós que perdemos toda a noção da realidade ou serão mesmo os nossos políticos que descolaram já de toda a mínima noção e relação com a mesma, mais directa e imediata realidade?
É ou não é verdade que Portugal, em termos de PIB, tem vindo a ser sucessivamente ultrapassado por uma Eslovénia, em 2016; por Chipre e Eslováquia, em 2017; por uma Estónia, em 2018, assim como preparando-se para vir a sê-lo também, muito provavelmente, em 2019, por uma Lituânia?…
E se assim é, porquê, afinal, tanta festa e entusiasmo?…
Não são realmente sérios, graves, tremendos, os desafios que hoje se colocam a Portugal?…
Atendamos, por exemplo, no que respeita ao Mar, o que mais nos preocupa, por razões já evidentes, hoje, para quem possua um mínimo de verdadeira compreensão do que é Portugal e do seu enquadramento histórico e estratégico.
Três exemplos, entre múltiplos outros possíveis, bastarão para se perceber exactamente dos desafios e consequências de que se está a falar: Brexit; Oceanos e Ambiente; Revisão dos estatutos da Guarda Europeia de Fronteiras e Costeira.
Em relação ao Brexit, para além de tudo quanto aqui ficou já dito a questão pode formular-se sinteticamente do seguinte modo:
- desde o tratado de Windsor, a Aliança com Inglaterra foi tão importante e determinante para o movimento centrífugo de Portugal em relação a Madrid, num primeiro momento, como, actualmente, em relação a Bruxelas, assim como para a sua afirmação no Atlântico e posterior domínio no Índico, Mar da China e Japão, constituindo-se, de facto, como a primeira verdadeira Talassocracia moderna à escala Global;
- nesse enquadramento, a saída do Reino Unido da União Europeia não poderá deixar de conduzir senão um concomitante enfraquecimento da capacidade de defesa dos interesses de Portugal em relação a Bruxelas, tanto mais quanto o vazio deixado pelo Reino Unido não deixará de tender a ser logo ocupado tanto pelas ambições Franceses, sobretudo no que respeita à Defesa e Segurança Marítima, como pelas ambições Alemães, talvez sobretudo no que respeita ás questões mais ligadas à Ciência & Investigação, bem menos complementares e bem mais contraditórios dos interesses Britânicos, senão mesmo em declarado choque, em muitos casos, com os interesses nacionais;
- passíveis de serem eventualmente mitigadas as mais negativas consequências do choque de interesses de tais ambições pela formação de um bloco coeso e bem estruturado, de um ponto de vista geopolítico e geoestratégico, entre Lisboa e Madrid, será no entanto difícil ver tal suceder uma vez a nova realidade não deixar de abrir e oferecer igualmente renovadas oportunidades e vantagens a Madrid na exacta proporção da sua maior aproximação ao eixo Berlim-Paris, em detrimento, naturalmente, de qualquer maior aproximação a Lisboa,.
Se somarmos a essa circunstância a crescente ênfase de Bruxelas nas questões respeitantes ao Ambiente no Meio Marinho, como ficou bem patente, uma vez mais, no último discurso de Karmenu Vella, proferido na Blue Initiative 2019, em Março passado, no Mónaco, dando grande destaque não só ao compromisso e contínuo trabalho com vista à implantação de uma real e efectiva «Governação Internacional dos Oceanos», a par de uma igualmente crescente acção na gestão das Áreas Marinhas Protegidas, fácil é começar a ter uma noção cada vez mais nítida de quais as verdadeiras intenções e para onde se procura caminhar.
Adicionalmente, havendo perfeita consciência da passagem da gestão dos recursos vivos da coluna de água das ZEE (Zona Económica Exclusiva) das nações membro da União Europeia para as mãos de Bruxelas, como estipulado no Tratado de Lisboa, bem como do facto de se encontrarem as questões Ambientais igual e primordialmente subordinadas a Bruxelas, melhor se compreende também a razão para querer transformar as Áreas Marinhas Protegidas, de facto, numa questão eminentemente Ambiental e não apenas de Política Marítima, uma vez, neste caso, encontrar-se a mesma ainda ao abrigo das questões tidas no âmbito da soberania nacional, mais se reforça a compreensão das mesmas intenções e para onde se pretende caminhar, bem como as eventuais razões de abertura do actual processo de revisão dos estatutos da Guarda Europeia de Fronteiras e Costeira.
E foi exactamente perante este preocupante panorama, do qual, tanto quanto é dado saber, poucos falam, se alguém fala, em Portugal, que vimos o Senhor Presidente da República, na Sessão de Celebração do 45º Aniversário do 25 de Abril de 1974 na Assembleia da República, preferir divagar sobre as diferenças de ambição de um jovem de então e de hoje, como se, tanto os jovens de ontem, como os de hoje, não tivessem sempre como principal ambição, antes de mais e acima de tudo, muito simplesmente, tornar-se, em síntese, adultos, autónomos e independentes, do que chamar a atenção para esta crucial situação e todas as suas possíveis, e bem nefastas, consequências.
De facto, estando Portugal a transformar-se numa nação sem economia, sem verdadeira economia, o que também qualquer jovem de hoje rapidamente percebe é ter nascido numa nação que, afinal, já não tem lugar para si.
Algo que, neste momento, porém, não se afigura incomodar muito o Senhor Presidente da República, seja porque tal não o incomoda mesmo, seja porque, manifestar qualquer mínimo incómodo ou genuína preocupação com tal situação no âmbito das Celebrações de mais um Aniversário do 25 de Abril, fosse, parafraseando Chico Buarque, como o Senhor Primeiro-Ministro fez entretanto também o favor de recordar, correr o risco de poder acabar por «estragar a festa, pá».
E tudo menos isso, evidentemente.
Mas devemos estar preocupados, muito preocupados _ mesmo que «estrague a festa, pá».
Preocupados com os jovens porque, evidência de La Palisse, não deixam nuca de significar a continuidade de Portugal, assim como preocupados com o Mar porque, sendo o Mar o último verdadeiro activo económico, geopolítico e geoestratégico de que Portugal dispõe, se não soubermos olhar para o Mar e pelo nosso Mar com olhos de ver, não será já apenas de os jovens não terem já lugar em Portugal, será mesmo nada haver já a continuar.
Não haja dúvida: se Portugal não souber defender o Mar, o seu Mar, desaparece.
Simples evidência.
E não sabe tudo isto o Senhor Presidente da República?…
Provavelmente sabe, mas encontrando-se a «Ocidental praia Lusitana» de novo refém dos mesmos que há quatro décadas e meia, tudo destruindo, iam conduzindo Portugal a uma nova Guerra Civil, e até há poucos anos ainda logo acusavam de fascista e davam como proscrito quem ousasse defender a importância do Mar para Portugal, percebe-se, em nome da eventual «descrispação», o silêncio.
Um silêncio que, infelizmente, porém, não augura nada de bom.
Bem pelo contrário.
Bem podemos continuara a citar o Senhor Primeiro-Ministro e a dizer que «a festa é bonita, pá», como a persistir no mesmo tom de leveza, alegre despreocupação e redentor optimismo como se tudo corresse sempre pelo melhor no mais idílico dos mundos, mas a situação é grave _ tão grave que começamos mesmo a suspeitar, recuperando o muito douto e ilustre vernáculo dos idos de Abril, «é pá, portanto pá, isto não pode mesmo acabar bem pá», não faltando muito para assistirmos também à generalizada debandada dos apoios ao actual Presidente da República, uma vez, na ânsia de tanto procurar a tantos agradar sem nada verdadeiramente afirmar.
Exactamente como sucedeu com o último Presidente do Conselho do Estado Novo, no fim, uns abandoná-lo-ão por se sentirem não apenas desiludidos mas traídos, e muitos outros pela simples e manifesta inutilidade superveniente da sua pessoa uma vez tudo já consumado.
Talvez seja triste mas é assim. C’est la vie…
Se Portugal sobreviveu a 1580, não faremos nossas as célebres palavras de Heidegger proferidas a terminar os seus dias, «só um deus nos pode salvar» _ até porque somos Portugueses e não Germânicos _ , mas que não é fácil, não é.
Se soubermos voltar a olhar para o Mar com olhos de ver, se soubermos voltar a olhar pelo nosso Mar como se impõe que saibamos fazer, talvez o mais venha por acréscimo…
Assim se espera, pelo menos _ como realmente esperamos.